O método da camuflagem é uma estratégia protetiva utilizada em diversas linhagens de invertebrados. É um comportamento adaptativo, que pode ser observado em ouriços do mar, gastrópodes, caranguejos e estágios imaturos de larvas de insetos, como a larva da Crisopa Verde sobre a qual trataremos nesse texto.
As Crisopas, pertencem à família Chrysopidae, com cerca de 1.200 espécies. Elas são as 2ª maior família de Neuroptera e apresentam uma distribuição quase cosmopolita, ou seja, são encontradas em praticamente em qualquer lugar do mundo, mas ocorrem com mais abundância em locais quentes. As suas larvas são campodeiformes, ou seja, apresentam um bom desenvolvimento dos órgãos sensoriais e das patas, mas não apresentam apêndices abdominais.
São predadoras vorazes e vivem normalmente em árvores e arbustos por exemplo em uma ampla variedade de ecossistemas. O método de camuflagem desses animais é conhecido como “carregador de lixo”, pois eles carregam pedaços de plantas, detritos ou restos de artrópodes nas costas e esse lixo os esconde dos predadores. O pacote de lixo é recolhido com a mandíbula e colocado no dorso, a cabeça é arqueada para trás e o tórax e o abdômen curvados para frente. O inseto é capaz de realocar os componentes do pacote com a mandíbula e os movimentos peristálticos abdominais.
O registro fóssil das Crisopas Verdes adultas é considerado moderadamente bom, pois é possível encontrar fossilizada, partes maiores desse insetos como asas, contudo, raramente são encontradas partes inteiras do corpo. A datação desses fósseis, se estende até o Jurássico, e apresenta cerca de 60 espécies descritas que atualmente se encontram extintas. No caso dos imaturos, os fósseis são muito escassos, e o primeiro exemplar fossilizado é datado apenas do Cenozoico.
Para a surpresa dos pesquisadores, foi descoberta na Espanha, uma larva completa da Crisopa preservada em âmbar, datada do início do Cretáceo. Esse exemplar, permitiu entender melhor as estruturas morfológicas utilizadas por esses insetos para o transporte de lixo e observar a nuvem de tricomas (estruturas encontradas na epiderme vegetal), uma vez que o seu pacote de lixo se encontrava intacto. Com isso, foi possível confirmar que o hábito de transportar lixo, ocorre pelo menos desde o Cretáceo Inferior.
Quanto à sua morfologia, as Crisopas são únicas e bizarras. Os exemplares descritos recentemente, se desenvolvem em três estágios larvais, o 1º instar tem baixo grau de desenvolvimento das suas estruturas e o 2º e o 3º atingem o maior comprimento e grau de desenvolvimento. Quando comparados com o exemplar preservado em âmbar, os pesquisadores julgam que o fóssil se trate provavelmente de um 3º instar, mesmo que o tamanho das pernas fossem mais próximo de uma larva mais jovem. Entretanto, algo que dificulta saber ao certo tanto o tamanho total do H. diogenesi, quanto seu desenvolvimento ontogenético, é a ocorrência de Crisopas adultas no Cretáceo Inferior, muito maiores do que as atuais.
As larvas carregadoras de lixo atuais, apresentam características morfofisiológicas adaptadas para auxilia-las no carregamento de restos. Há evidências de que esse comportamento tenha evoluído muitas vezes em Chrysopidae, pois essas mesmas adaptações, como um corpo giboso (curvado) e adaptações para se mover enquanto carregam grandes cargas, estão também presentes nos fósseis. Todavia, a adaptação mais interessante em H. diogenesi, é um par de tubérculos dorsais muito alongados, com formato de tubo e um sistema especial para envolver o lixo.
Esses tubérculos são diferentes entre os existentes nos exemplares atuais e nos fósseis. Enquanto nas larvas atuais os tubérculos laterais são muitas vezes mais desenvolvidos no tórax e no abdômen e os tubérculos torácicos não excedem o tamanho do corpo, nos fósseis, esses tubérculos se desenvolvem de forma semelhante no tórax e no abdômen, contudo, algumas vezes eles podem exceder tanto o comprimento do corpo quanto sua largura.
Com esse estudo, foi possível interpretar que o fóssil encontrado na Espanha, se trata de um morfotipo altamente especializado e não de uma condição primitiva das Crisopas Verdes. Esse fóssil representa uma das evidencias mais antigas já registradas tanto do comportamento de camuflagem quanto ao transporte de lixo por insetos. Com isso, é possível reforçar a ideia de que os estágios larvais imaturos do Mesozoico responderam à pressões adaptativas semelhantes a dos seus homólogos do Cenozoico.
Referências: LAFUENTE, Ricardo Pérez-De. Early evolution and ecology of camouflage in insects. Proceedings Of The National Academy Of Sciences, Kansas, v. 109, n. 52, p. 21414-21419, 19 nov. 2012.
Uauuu! Que curioso, Ana. Adorei seu texto, obrigado ; )