Figura 1: As armadilhas naturais de Wucaiwan. (A) Saurópode gigante deformando o solo ao caminhar, formando poços aonde caem animais menores. (B) Reconstrução do paleoambiente local, incluindo o terópode Guanlong wucaii, o maior animal encontrado nos poços. (C) Foto de uma das pegadas retirada do solo, com linhas pontilhadas mostrando a estratificação dos esqueletos encontrados em seu interior. Modificada da Figura 8 de Eberth et al. (2010).
O estudo da distribuição, arranjo espacial e estado de preservação dos fósseis é uma importante ferramenta para aprendermos sobre como os organismos do passado viviam, se comportavam, como morriam e se fossilizavam. Por isso, a descoberta de estranhas ‘’armadilhas naturais’’ em forma de poço na região de Xinjiang, na China, com os restos fossilizados de dezenas de animais empilhados em seu interior, intrigou paleontólogos. Por que tantas espécies diferentes seriam encontradas juntas em espaços tão estreitos?
As estruturas, datadas do Jurássico Superior, são todas arredondadas, com 1 a 2 metros de diâmetro. A maioria dos ossos encontrados nelas pertence ao Limusaurus inextricabilis, um dinossauro bípede desdentado, que provavelmente era abundante no local. Os poços também prenderam outras três espécies de pequenos dinossauros, mamíferos, répteis aparentados aos crocodilos e uma tartaruga. Em geral, os restos estavam bem preservados e articulados, sem evidência de transporte ou retrabalhamento, mostrando que haviam morrido no interior das ‘’armadilhas’’.
As rochas nessa localidade, denominada de Wucaiwan, foram depositadas em um ambiente pantanoso. O solo era composto de uma crosta de sedimento rígido, talvez de origem vulcânica, recobrindo um lamaçal aquoso com cerca de 2 metros de profundidade. Analisando a composição dos poços, os autores concluíram que cada um tinha sido formado subitamente quando uma pressão vertical rompeu essa crosta superior, afundando na lama abaixo. Processos geológicos como as dolinas ou sumidouros podem formar estruturas semelhantes, mas as características do preenchimento e deformação do solo observadas no local descartam essas possibilidades.
Estruturas muito parecidas com as armadilhas de Wucaiwan são comuns em outras localidades pela região; dispostas em séries organizadas, as marcas circulares lembram pegadas na trilha de um animal gigantesco. Embora não seja possível saber que espécie teria deixado essas trilhas, a região noroeste da China durante o Jurássico era rica em dinossauros saurópodes, como o Mamenchisaurus sinocanadorum, que ultrapassava os 26 metros de comprimento. Esses gigantes de pescoço longo tinham patas colunares cujo tamanho e forma combinam com os dos poços de Xinjiang, o que nos ajuda a esclarecer o que pode ter acontecido nesse local.
Conforme os saurópodes andavam sobre os solos de Wucaiwan, suas patas rompiam as camadas superficiais, formando profundas aberturas que a lama rapidamente preenchia. Devido a seu tamanho, um saurópode era facilmente capaz de alcançar o fundo do lamaçal, retirar seus pés e seguir viagem. Mas esses poços de lama, talvez ocultos pelas águas rasas do pântano, seriam difíceis de distinguir do sedimento ao redor - se um animal menor andasse sobre a lama instável recém-exposta, rapidamente afundaria e teria dificuldade de se impulsionar para fora. Provavelmente foi o que aconteceu com os pequenos vertebrados encontrados, que eventualmente morreram por afogamento ou inanição e se depositaram no fundo.
Com o passar do tempo, outros animais eram atraídos pelas carcaças em decomposição ou caíam acidentalmente nas mesmas aberturas, e novas camadas de esqueletos foram adicionadas sucessivamente, formando séries verticalizadas. Essas associações entre pegadas e esqueletos são as primeiras de seu tipo no registro fóssil e testemunham a influência dos maiores dinossauros sobre seus ecossistemas; é difícil imaginar outros organismos capazes de criar armadilhas naturais mortíferas apenas com sua movimentação habitual.
Fonte: David A. Eberth, Xu Xing, & James M. Clark (2010). Dinosaur death pits from the Jurassic of China. PALAIOS, 2010, v. 25, p. 112-125. DOI: 10.2110/palo.2009.p09-028r.