Identificar fósseis pode ser um verdadeiro desafio e nem sempre as coisas são o que parecem. Essa história começa na Colômbia, no sítio geológico Marine Reptile Lagerstätte of Ricaurte Alto, local onde existem rochas datadas entre 132 e 113 milhões de anos atrás, de um período chamado Cretáceo Inferior; assim como uma impressionante quantidade e diversidade de fósseis, como répteis marinhos, tartarugas, crocodilomorfos (que inclui os crocodilos e seus parentes extintos), dinossauros e plantas!
Em 2003, o padre colombiano Gustavo Huertas, identificou um fóssil dessa região e na época o nomeou como Sphenophyllum colombianum, uma suposta representante das plantas esfenófitas. Duas décadas depois, este achado chamou atenção de Héctor Palma-Castro da Universidade Nacional da Colômbia e de outros cientistas colaboradores, isso porque as plantas do gênero Sphenophyllum eram amplamente distribuídas pelo mundo e viveram entre 419 e 252 milhões de anos atrás, período conhecido como Devoniano ao Permiano, respectivamente. Mas lembra que as rochas nas quais o fóssil foi encontrado são do Cretáceo Inferior, período muito mais recente do que na época conhecida em que as plantas daquele gênero viveram? Isso intrigou os pesquisadores e levantou duas possibilidades: ou essas plantas viveram muito além do que se pensava, ou a identificação do fóssil estava incorreta.
A GRANDE REVELAÇÃO
Os novos estudos revelaram que o fóssil, inicialmente descrito como “Sphenophyllum colombianum”, não se tratava de uma planta. Na verdade, era uma carapaça de um filhote de tartaruga marinha, parcialmente preservada, vista ventralmente, com cerca de 6,1 cm de comprimento. Com isso, a classificação anterior foi invalidada e agora esse exemplar é identificado como Panchelonioidea indet., uma classificação que engloba as tartarugas marinhas e outras espécies relacionadas.
A identificação equivocada aconteceu devido à interpretação incorreta das estruturas do fóssil encontrado. Sabe-se, através de exemplares bem identificados de Sphenophyllum, que suas folhas eram organizadas ao redor do caule, semelhante a fatias de pizza, e apresentavam nervuras, como se fossem “risquinhos” que irradiavam ao longo dela. Já o fóssil da carapaça de tartaruga, apresenta as estruturas ósseas do animal, como costelas e vértebras, com áreas onde a superfície tem uma textura irregular com sulcos e padrões de crescimento ósseo radial. Esses detalhes foram confundidos com as nervuras das folhas, levando Huertas a interpretá-lo erroneamente como planta.

A figura acima mostra no canto superior esquerdo o fóssil encontrado (Panchelonioidea indet.) e abaixo, sua reconstrução. No canto superior direito está um esquema que indica as texturas e ósseos da tartaruga preservados no fóssil. Já no canto inferior direto, há um fóssíl de Sphenophyllum emarginatum, planta do mesmo gênero que se achava pertencer o fóssil encontrado.
CONTRIBUIÇÕES PARA A CIÊNCIA
Além do recente estudo corrigir um erro de identificação, o mesmo revela pela primeira vez um registro fóssil de um filhote de tartaruga da região noroeste da América do Sul. Anteriormente, já foram registrados fósseis de ovos e adultos com todas suas estruturas, mas não um indivíduo juvenil como esse.
A contribuição desta pesquisa vai além dos resultados que já vimos: ela auxilia na desconstrução de uma visão cumulativa e linear do trabalho científico, enfatizando a importância de revisitar conceitos de forma crítica e de compreender que erros podem acontecer no processo e devem ser encarados como parte natural do avanço do conhecimento. Dessa forma, fica evidente que a construção do conhecimento exige trabalho em equipe. A colaboração entre pesquisadores de áreas como paleobotânica e paleontologia de vertebrados é fundamental para evitar identificações equivocadas, especialmente em casos em que os fósseis apresentam descrição desafiadora. Artigo Fonte: PALMA-CASTRO, H. D. et al. (2023) An Early Cretaceous Sphenophyllum or a hatchling turtle? Palaeontologia Electronica, v. 26, n. 3, p. 1–10. DOI: 10.26879/1306. Disponível em: <https://palaeo-electronica.org/content/2023/4017-fossil-plant-or-turtle>. Texto por: Júlia Roberta Teixeira Escrito em: 8 de Dezembro de 2024
Universidade Federal de Minas Gerais
Eu admito: eu confundiria a Sphenophyllum com um casco de tartaruga 1000 vezes kkkkkkkkkkk
Ótimo trabalho! Muuito interessante ver como essas coincidências ajudam na evolução da ciência, mesmo sendo erros!