*Exemplo de dentículos de um tubarão, visualizado através de microscopia eletrônica.
É comum ouvirmos falar sobre o quão antigos os tubarões são. De fato, os primeiros registros fósseis do grupo datam de mais de 400 milhões de anos atrás, um tempo incrivelmente longo em relação ao da própria existência de animais no planeta.
Com uma história evolutiva tão extensa, é natural imaginarmos que esses animais são muito bons em se adaptar as mudanças dos ecossistemas terrestres, uma vez que conseguiram passar sem maiores problemas por diferentes eventos catastróficos e de extinção em massa ao longo de sua trajetória. No entanto, uma pesquisa recente publicada na revista Science, pelas pesquisadoras Elizabeth C. Sibert e Leah D. Rubin, sugere que há 19 milhões de anos atrás, no início da época geológica denominada Mioceno, um evento natural até então desconhecido quase levou à extinção total do grupo! O texto presente tem o objetivo de discutir brevemente como elas chegaram a essa conclusão.
Os tubarões, junto às raias e quimeras, fazem parte de um grupo animal chamado de Chondrichthyes, cujos representantes apresentam a característica marcante de possuírem esqueletos feitos de cartilagem! Como a cartilagem é um material menos resistente que ossos, e de decomposição mais rápida, isso torna o corpo desses animais extremamente difícil de ser fossilizado.
Para a sorte da Paleontologia, porém, a pele de tubarões é formada por uma série de estruturas minúsculas que lembram dentes, chamadas de dentículos, e esses sim fossilizam muito bem, nos dando uma boa noção sobre a presença desses animais em tempos passados da história da Terra! Ao caírem no sedimento do fundo oceânico, essas estruturas acabam sendo enterradas, e tornam-se mais profundas à medida que o tempo passa e mais material é depositado no solo marinho. Quando os cientistas coletam amostras desse sedimento, é possível então inferir a idade de cada camada depositada. A partir dessa datação, é possível comparar o material fóssil presente em cada uma das camadas!
Tá, mas e daí? E daí que este novo estudo percebeu uma coisa muito estranha: antes de 19 milhões de anos atrás, havia uma grande abundância de dentículos em todas as camadas de sedimento analisadas. No entanto, após esse marco, eles começam a sumir! Com a observação dessa mudança na abundância de dentículos no sedimento marinho, as pesquisadoras defendem que a abundância absoluta (ou seja, o número de indivíduos) de tubarões caiu em até 90% globalmente, e houve perda de quase 70% das espécies!
Outra coisa estranha é que não surgem novos tipos de dentículos após essa data, enquanto diversos tipos desaparecem, o que pode indicar que os tubarões que nós temos hoje em dia representam somente uma fração das espécies que costumavam existir. Para saber que esse evento de extinção afetou especificamente os tubarões, e não o resto da fauna marinha, o estudo observou que há queda também nas taxas de proporção entre os dentículos e outros fósseis de peixes. Isso foi feito observando que enquanto antes do marco de 19 milhões de anos 1 a cada 5 fósseis de peixes eram dentículos de tubarões, após a extinção esse número passou para a 1 dentículo a cada 100 fósseis!
Mas então, o que causou essa extinção nos mares? Essa é a grande questão: nós não sabemos! Não há evidências de que tenham ocorrido grandes variações climáticas nessa época, e os outros grandes predadores marinhos atuais que poderiam ter causado pressão competitiva sobre as outras espécies ainda não haviam começado a se diversificar.
Esse estudo trousse à tona um grande mistério da história natural de nosso planeta, e levantou diversas perguntas para pesquisas futuras tentarem responder. Nesse caso pontual, podemos ver um exemplo de um fenômeno amplo: o de como a ciência avança gradualmente, e está sempre em busca de respostas sobre o universo que nos cerca!
Referência:
Elizabeth C. Sibert & Leah D. Rubin (2021). An early Miocene extinction in pelagic sharks. Science, Vol.372, Issue 6546, p. 1105-1107, Doi: 10.1126/science.aaz3549