A análise desta múmia esclareceu detalhes inovadores sobre os hábitos e aparência desta espécie.
Por Matheus Soares Silveira
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
03 de Dezembro de 2024
Sempre se falou muito de grandes predadores do passado, como o Megalodonte (Otodus megalodon) e o Tiranossauro Rex (Tyrannosaurus rex), por exemplo. De fato, seu porte grande e magnitude despertam curiosidade aos olhos dos amantes da história e da vida no planeta mas, nem sempre os cientistas têm todas as respostas sobre como eram os seres que viveram e já se foram há milhares de anos.
Esse é o caso dos felinos-dente-de-sabre. Hoje nós veremos detalhes sobre um artigo publicado na revista Nature em 14 de Novembro de 2024, onde os autores descrevem a descoberta e análise da múmia do filhote de uma das espécies de felino-dente-de-sabre, o Homotherium latidens.
MAS O NOME NÃO ERA TIGRES-DENTE-DE-SABRE?
“Uai, mas não era tigre-dente-de-sabre? E como assim uma das espécies?”
São muito comuns essas dúvidas. O que se chamava de tigre-dente-de-sabre não era uma única espécie, mas, sim, várias espécies de felinos com essa característica marcante, todos membros da subfamília Machairodontinae. Na realidade, o nome tigre-dente-de-sabre é muito mais um nome popular do que um nome técnico, afinal esses animais não eram o que se chama hoje de tigre (Panthera tigris), e os cientistas o usavam para fins comparativos, não expressando uma proximidade genética recente.
DESCOBERTA E ANÁLISE DA MÚMIA
Nosso fóssil foi descoberto em 2020, no distrito Abyisky, na República De Sakha (Yakutia), Rússia. O local é chamado de Badyarikhskoe, e situa-se no rio Badyarikha (afluente direito do rio Indigirka, situado na planície de Yana-Indigirka.
O estudo comparou a aparência do filhote de dente-de-sabre com um filhote de leão moderno (Panthera leo) da mesma idade. “Pela primeira vez na história da Paleontologia, a aparência de um mamífero extinto com nenhuma espécie análoga viva foi estudada.” – Os Autores do artigo.
A datação por radiocarbono – também chamado de carbono 14, é a forma radioativa dos átomos de carbono, que tem queda na quantidade no corpo depois que o ser vivo morre, possibilitando estimar há quanto tempo ele morreu – dos pelos do filhote foi feita e resultou, após calibragem por softwares – que considera variação da quantidade de carbono 14 na atmosfera de cada tempo, pra chegar ao resultado final – numa idade entre 35.471 e 37.019 anos atrás, sendo pertencente à Idade Superior da Época Pleistoceno.
Segundo os autores, achados de mamíferos mumificados desse intervalo de tempo são raros. A maioria das múmias e encontradas na Rússia na última década foi naquela região. Nossa múmia em questão tem preservada apenas a cabeça e o tronco até a porção final do peitoral, com alguns ossos da cintura acoplados aos fêmures e a ossos da canela, achados no mesmo pedaço de gelo que a parte preservada.
COMPARAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DO EXEMPLAR
Seu corpo tem uma pelagem espessa, curta (3 centímetros de comprimento) e macia, colorida de marrom escuro. No lábio superior, há dois pares de bigodes.
Os pesquisadores conseguiram o gênero, família e subfamília do dente-de-sabre devido às similaridades do crânio, dentes, tamanho do corpo e posição dos ossos e órgãos com exemplares dos mesmo grupos e de outros (estudo de Anatomia Comparada). Pelo grau de brotamento dos dentes incisivos, estima-se que a múmia tenha 3 semanas de idade.
As características do crânio são coincidentes com a família Felidae (felinos) e a mandíbula tem características remetentes ao gênero Homotherium, o que levou a esta classificação.
O pescoço do filhote dente-de-sabre é mais espesso e comprido do que o do filhote de leão, e sua caixa craniana é maior, bem como sua fenda oral, comprimento do crânio e dos ossos das patas dianteiras (ulna e úmero). A grande altura do lábio superior também sugere que ele cobrirá os caninos superiores (dentes de sabre) quando eles crescerem na fase adulta do filhote, o que nos faz reavaliar a ideia de que seus dentes ficavam expostos, como comumente mostrado em filmes e reproduções feitas antes de descobertas que apontam nessa direção.
Este gênero viveu no Pleistoceno e ocupava a Eurásia, América e África. “Por muito tempo, a última presença de Homotherium na Eurásia foi registrada na Época Pleistoceno Médio”, disseram os autores. Isto só mudou quando descobriram a mandíbula de um H. latidens no Mar do Norte. Na América do Norte, os Homotherium daqueles tempos eram chamados de Homotherium serum, pelo menos até análises genéticas mostrarem que eram a mesma espécie, tendo sido priorizado o nome H. latidens. Esta múmia é apenas a segunda evidência de que os Homotherium ocuparam a Eurásia no Pleistoceno Tardio, além da descoberta da mandíbula.
O QUE O ESTUDO TROUXE DE NOVIDADE?
A aparência dos felinos-dente-de-sabre enquanto ainda estavam vivos é amplamente debatida, uma vez que a baixa preservação de tecidos moles em geral (no caso, de pele e pelos) gera uma lacuna frequentemente preenchida com especulações baseadas no visual de felinos atuais. Trabalhos recentes reconstruíram o biotipo muscular destes animais como tendo músculos hipertrofiados no pescoço e membros anteriores (patas dianteiras).
A pesquisa dos cientistas, além de ser outra prova da sobrevivência mais recente destes organismos, é a confirmação do que foi previsto sobre seu porte físico, também mostrando que os juvenis desta idade não eram tão diferentes dos indivíduos adultos.
As patas largas e arredondadas da múmia, em contraste com as palmas finas e alinhadas do filhote de leão, sugerem, somadas ao formato quase quadrado das almofadas de seus dedos, com a ausência de almofadas carpais, que esta espécie estava adaptada a andar sobre a neve e a habitar ambientes frios. De acordo com os autores, a baixa aurícula (arco do ouvido) da orelha também é um indicativo desses hábitos.
“A descoberta da múmia de H. latidens em Yakutia expande radicalmente a compreensão da distribuição do gênero e confirma sua presença no Pleistoceno Superior da Ásia.”, disseram os autores.
De fato, este trabalho trouxe impacto nos estudos paleontológicos, tendo sido o primeiro a trazer o aspecto in vivo dos pelos, focinho e orelhas desta espécie, além de também ter esclarecido detalhes sobre o desenvolvimento de filhotes, expandiu as discussões de sua distribuição ao redor do mundo.
Enquanto o registro fóssil ainda não é totalmente explorado e os cientistas se empenham em aumentar nossos conhecimentos sobre o planeta que chamamos de lar, iremos ficar no aguardo das próximas descobertas.
FONTES:
• https://www.nature.com/articles/s41598-024-79546-1
• https://blog.everythingdinosaur.com/blog/_archives/2008/01/25/3485627.html#:~:text=The%20popular%20name%20%E2%80%9CSabre%2DTooth,extinct%20predators%20as%20%E2%80%9Ctigers%E2%80%9D.
• https://tarpits.org/stories/smilodon-saber-tooths-and-tigersoh-my
• https://www.radiocarbon.com/portugues/arvore-anel-calibracao.htm#:~:text=O%20carbono%2014%20%C3%A9%20um,de%20radiocarbono%20em%20anos%20civis.&text=Your%20browser%20can’t%20play%20this%20video.
• https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Criacionismo_da_Terra_Jovem#:~:text=A%20cren%C3%A7a%20criacionista%20da%20Terra,suas%20an%C3%A1lises%20mostraram%2Dse%20falhas.
• https://www.ufrgs.br/faunadigitalrs/tigre-dentes-de-sabre/