Você deve estar se perguntando: “O que guerras humanas tem a ver com os animais?” Então vem dar uma olhadinha nesse artigo e veja como a vida selvagem é afetada nos conflitos armados!
Artigo escrito por Emanuele Pozzolini, Isabela Barcelos, Natalia Alves e Vitoria Rodrigues para o projeto de Ecologia I do curso de Ciências Biológicas da UFMG
CONCEITOS IMPORTANTES: Dinâmica Populacional: é a parte da ecologia que estuda as variações de ocorrência de indivíduos da mesma espécie (população) e procura definir as causas dessas variações. Imigração: Número de indivíduos que, vindos de outras áreas, entram na população; Emigração: Número de indivíduos que saem da população; Natalidade: Número de indivíduos que nascem por unidade de tempo; Mortalidade: Número de indivíduos que morrem.
Conflitos fazem parte da humanidade a milhares de anos e seus impactos em nossa sociedade já são bem documentados, mas você já parou para pensar o que uma guerra causa para os animais daquela região? Diversos fatores estão associados aos efeitos gerados na fauna, como as políticas adotadas, uso de táticas militares (e quais táticas vão ser usadas), movimentação humana e uma infinidade de outros elementos.
Pensando nisso, uma colaboração entre cientistas naturais e sociais de diversas instituições, dentre elas o Departamento de Ciência Ambiental, Política e Gestão da University of California, Atkinson Center for a Sustainable Future, Cornell University, Ithaca, NY e o Departamento de Geografia, McGill University, Montreal, Canadá, categorizou 144 estudos de caso em todo o mundo que ilustram ligações diretas ou indiretas entre conflitos armados e populações críticas da vida selvagem.
Eles dividiram as maneiras pelas quais a vida selvagem é impactada pelos confrontos em meios táticos, que envolvem ações militares diretas e o suporte a ações militares, e meios não táticos, que envolvem a migração humana, mudanças na dinâmica institucional e alterações na economia e meios de subsistência. E também se o impacto era positivo ou negativo para a fauna.
Figura 1. Categorias usadas para identificar como os conflitos armados influenciam na vida selvagem do artigo War and Wildlife: linking armed conflict to conservation. Gaynor et al. 2016.
Com isso em mente, vamos discutir e entender sobre essas implicações de conflitos civis na vida selvagem.
Segundo um dos estudos de caso revisados por Gaynor et al. 2016, a guerra civil que aconteceu de 1995 a 2006 na República Democrática do Congo (RDC) resultou em uma perda significativa de vida selvagem, dentre elas de elefantes, devido ao colapso institucional, ilegalidade e exploração desenfreada de recursos naturais, como minerais, madeira, marfim e carne de caça. Isso quer dizer que a dinâmica populacional desse grupo se alterou negativamente, uma vez que ocorreram mais mortes de elefantes do que costumavam acontecer. As populações diminuíram em quase cinquenta por cento, coincidindo com um grande aumento na caça furtiva de elefantes, conforme indicado por relatórios de comércio de marfim durante a guerra.
Em outro estudo feito por Braga-Pereira et al. 2020, de nome Warfare-induced mammal population declines in Southwestern Africa are mediated by species life history, habitat type and hunter preferences, foi constatado que, das 26 espécies de mamíferos analisadas, 20 tinham sofrido grandes perdas durante o período de 1975 a 2002. O grupo também percebeu que somente os mamíferos de grande porte foram significativamente afetados pela guerra do sudoeste africano, já que os de tamanho reduzido, como a lebre da savana africana, apresentaram estabilidade mesmo durante a guerra. E assim como o exemplo anterior, a mortalidade aumentou significativamente nos grupos dos grandes mamíferos.
Figura 2. Homens carregando gorila abatido
Ainda segundo esse artigo de Braga-Pereira et al. 2016, uma das causas encontradas para essas alterações foi o aumento do acesso a armas automáticas e a suspensão das patrulhas anti-caça furtiva, levando a um colapso da vida selvagem do sudoeste africano.
Mas não pense que esses conflitos só atingem o continente Africano. Há conflitos registrados na América latina, na Colômbia, por exemplo, que é um dos países com maior biodiversidade do mundo. De acordo com o estudo realizado por Calle-Rendón et al. 2018, após mais de 50 anos de conflito armado no país, grandes efeitos negativos foram ocasionados para a população de mamíferos, devido a mudanças no uso do solo. Tal estudo aponta que as alterações pós conflito ameaçam, principalmente, os primatas, pois são altamente sensíveis ao desmatamento, além de atividades humanas, como a caça.
Figura 3. Vulnerabilidade dos mamíferos as mudanças no uso da terra na era pós conflito
Riqueza de espécies de mamíferos na Colômbia considerando a distribuição
Regiões críticas (Urabá e Serranía de San Lucas), considerando apenas as espécies classificadas como de alto risco e muito alto risco na era pós-conflito ( S ≥ 10). Os polígonos pretos correspondem aos 170 municípios usados como áreas de pós-conflito e os polígonos verdes às áreas protegidas.
Fonte: Calle-Rendón et al. 2018
Entretanto, o grupo de Gaynor et al. 2018, também encontrou impactos positivos que conflitos armados podem ocasionar na biodiversidade, entre eles podemos citar a movimentação de pessoas em função das guerras, que muitas vezes acabam por deixar áreas livres para que a vida selvagem colonize. Por exemplo, temos a zona desmilitarizada entre Coreia do Sul e Coreia do Norte que desde 1953 é espaço para diversos exemplares de vida selvagem. Em função das pessoas terem deixado essa região, os animais puderam se movimentar e passar a ocupar esse espaço, gerando um efeito positivo para a flora e fauna local.
Ainda nesse artigo, um dos pesquisadores alerta que “ao identificar caminhos que ligam a guerra à vida selvagem, esperamos quebrar algumas dessas complexidades socioecológicas para orientar a pesquisa e informar as intervenções”.
Também é válido ressaltar que mesmo durante os períodos do pós-guerra, as populações de animais selvagens não conseguirão se recuperar enquanto as comunidades rurais que vivem em países devastados pela guerra permanecerem armadas e as regulamentações de manejo da vida selvagem não puderem ser aplicadas.
Com isso tudo foi possível perceber que os conflitos armados humanos não apenas nos influenciam, mas têm fortes consequências sobre toda a biodiversidade, afetando direta ou indiretamente, positiva ou negativamente animais e plantas de locais palco de guerras.
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