por Ana Clara Leandro, Bianca Lima, Carol Marinho, Gabriella Bertollo, Joana Morais e Júlia Coelho
“O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”
Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas
Ao ver uma imagem de satélite de uma floresta o que você imagina?
Um ambiente verde que, geralmente, representa muita vegetação e, por isso, muita vida? Olhe bem para essa foto.
Fig. 1. Floresta Tropical, vista aérea. Gleilson Miranda/Divulgação. Disponível em: g1.globo.com
Ao contrário do que pensamos, existir um fragmento bem preservado de floresta não significa que seu interior continua sendo morada de diversos organismos que antes ali habitavam. Com a modificação extensiva do homem no ambiente em prol de sua expansão, a fauna - conjunto de animais que habitam um determinado local - sofre impactos a ponto de poder ser extinta da região, e sua extinção, por vez, desequilibra toda uma cadeia trófica que é o fluxo de energia em um ecossistema, esse fluxo tem início nos produtores e finaliza nos decompositores. Esse desbalanceamento promove a perda de serviços essenciais para a manutenção da floresta, tal qual dispersão de sementes e polinização. Dessa forma, o fragmento de floresta defaunado (sem animais/fauna) está fadado ao declínio e a posterior desaparição.
Floresta vazia. Esse é o termo cunhado em 1992, por Kent H. Redford para definir uma área florestal que não possui animais, principalmente, os de grande porte (como onças, antas, etc). Foi diante de um cenário de ecólogos concentrados nos impactos diretos das ações humanas na vegetação enquanto, em relação a fauna, os efeitos eram considerados de baixa relevância e apenas local, que foi preciso olhar para além do desmatamento e alterações na flora. Era, então, preciso observar como essas atividades humanas afetam as comunidades de fauna nos ecossistemas e quais as consequências dessas alterações, sendo essas um sintoma do alcance da influência das modificações orquestradas pelo homem, o que Kent Redford chamou de “onipresença”.
Voltando à imagem de satélite, não há como negar que esse meio de observação nos transmite fontes importantes para o acompanhamento do quadro de desmatamento tanto ilegal, quanto o avanço da agropecuária e das queimadas, no entanto, de forma alguma, essas imagens mensuram a integridade desse ecossistema e das interações que ali ocorrem. Fernando Fernandez, em 2005, na revista Revisão, com o texto intitulado: “APRENDENDO A LIÇÃO DE CHACO CANYON: do “Desenvolvimento Sustentável” a uma Vida Sustentável” reitera sobre essa questão. Nesse artigo são pontuados alguns dos grandes problemas provenientes na interpretação simplista das imagens de satélite e, dentre eles, estão a não distinção entre uma vegetação natural em seu clímax (ápice da sucessão ecológica, ou seja, momento em que a vegetação atingiu seu estágio “final” de maturidade) e uma vegetação perturbada, isso significa que já foi modificada e que não está em equilíbrio. Além disso, como já mencionado, essas imagens não permitem observar a presença de animais chaves para a manutenção desses ambientes, o que implica na não capacidade de regeneração dessas florestas e, assim, são caracterizadas por apenas árvores adultas e pela presença, reduzida ou ausente, de plantas jovens.
Queixadas dando o exemplo
As florestas viveram por muitos anos seguindo um ciclo natural, com interações entre os seres vivos e não vivos que lá habitavam. Explicando de forma simplificada, existem animais que vivem em grupo, como os queixadas (porcos do mato comuns do território brasileiro). Eles comunicam entre si, se reproduzem, disputam territórios com populações diferentes e ocupam um certo ambiente em determinado tempo. Dizemos, no jargão biológico, que eles interagem tanto entre indivíduos da mesma espécie, conhecidas por interações intraespecíficas, como com indivíduos de outras espécies, realizando interações interespecíficas. É fácil perceber as interações intraespecíficas, como nos queixadas, mas é importante ressaltar que elas não acontecem apenas entre indivíduos da mesma espécie. Para compreender isso é possível continuar com o exemplo do mesmo animal: os queixadas são onívoros, ou seja, se alimentam tanto de material vegetal como animal, como nós, seres humanos. Ao comer uma planta ou um animal, como larvas e besouros, o queixada também está realizando interações; os biólogos chamam a atividade de comer uma planta de herbivoria e a de se alimentar de outro animal de carnivoria, ambos fazem parte do grupo de interações conhecidas como predação; que tem como característica um saldo positivo para o predador (o queixada, no caso) e um saldo negativo para o organismo predado (a planta ou um outro animal). Mais amplamente, essas interações são denominadas antagônicas, exatamente por terem a característica de favorecerem um indivíduo ou uma população e prejudicar a outra. Existem também interações que são favoráveis para ambos os grupos e outras que são neutras. As interações são múltiplas e ocorrem de maneira simultânea na natureza. Ao mesmo tempo que um indivíduo é predador, ele também pode ser predado: queixada pode ser predador de algum inseto e, ao mesmo tempo, pode ser presa de uma onça; as interações não são únicas para determinados animais ou plantas.
Fig. 2. Queixada e seu filhote, um queixadinha. Disponível em: conexaoplaneta.com.br
Agora que o conceito de interações foi apresentado, fica mais fácil entender a preocupação de Kent Redford com os cientistas que insistiam na ideia de que a as atividades humanas impactam somente na região em que existem seres humanos. O que se está destruindo não são “apenas” vidas de animais frutos de pesca ou de caça, mas sim, todo um equilíbrio ecológico da região, como a cadeia trófica na qual a espécie animal participa e todas as interações que ele realiza, o que pode acarretar na morte e, em uma escala maior, na extinção de outras diversas espécies, tanto animais, quanto vegetais.
Como o homem interfere em muito mais do que imagina
Como já mencionado, a defaunação é causada por ação humana. Das diferentes formas de impactos possíveis podemos classificar dois grupos: os impactos diretos e os indiretos. Quando dizemos que algo é direto estamos referindo ao fato de que a ação está acontecendo justamente sob o alvo que será afetado, e esse é o tipo de consequência mais fácil de entendermos, já que convivemos diariamente com exemplos.
O deliberado ato de matar indivíduos da fauna como na caça de subsistência, na esportiva e na pesca são atividades que datam de um longo tempo na história do homem. A necessidade por alimento, e fontes para troca são características de comunidades que dependem dos elementos silvestres para sua permanência. Por outro lado, há a caça esportiva, que é quando pessoas matam animais para diversão própria ou para demonstrar status. Ambas as maneiras tem efeitos alarmantes sobre as comunidades de fauna silvestre, mas calma lá! Não estamos dizendo que devemos parar totalmente com essas práticas, até porque populações ribeirinhas e interioranas dependem dessas para sua subsistência, mas sim que devem ser feitas respeitando o nicho ecológico das espécies, como época de reprodução, etc. Pois é dessa forma que conseguimos manter o animal no ambiente, possibilitando a continuidade da atividade socioeconômica, assim como seu papel ecológico no ecossistema.
Já os impactos indiretos são as modificações feitas no ambiente, como desmatamento, agropecuária, queimadas, construções como hidrelétricas, cidades, estradas, etc. Essas modificações alteram a disponibilidade de recursos e a integridade dos habitats da fauna local, o que impossibilita o permanência dessas comunidades, assim como seu crescimento.
Um animal vivo incomoda muita gente, um animal morto incomoda muito mais
As estradas se tornaram ferramentas fundamentais para o desenvolvimento de atividades humanas, tornando-se a principal via de locomoção do nosso país. Entretanto, como toda interferência humana na natureza, causa inúmeros danos à biodiversidade do local de sua construção. Durante todo o processo de construção e após, os impactos gerados podem ser diretos e indiretos, com consequências que se propagam ao longo do tempo.
Fig. 3.Tapirus terrestris atropelado na BR 101, nas proximidades do maior complexo florestal do Espírito Santo, que engloba a Reserva Biológica de Sooretama. Disponível em: anda.jor.br
De acordo com os dados do Sistema Urubu, lançado pelo Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), o monitoramento de atropelamento de animais selvagens contabiliza, por ano, 473 milhões de mortes, ou seja, 15 animais são atropelados por segundo em nossas estradas. Os pequenos vertebrados são os que mais sofrem, sendo esses, sapos, pequenos lagartos, cobras, considerados de pouca importância por boa parte de nossa sociedade que não entende o valor de cada indivíduo. Os de grande porte são 1% do número, no entanto, isso representa 5 milhões de mortes por ano.
As regiões de maiores centros urbanos, como sul e, principalmente, sudeste, apresentam as maiores taxas de mortalidade por estado. Os valores são gerados, também, com base na quantidade de carros em cada estado, dessa forma, estados com a mesma área podem ter valores diferentes de animais atropelados.
A causa desses atropelamentos pode ser, além de imprudência do motorista, inúmeras. Muitos dos animais são atraídos em direção às estradas, principalmente répteis, pelo calor que essas emanam durante a noite. Além disso, o acesso fácil a alimentos como os decorrente da queda de produtos durante o transporte rodoviário, os provenientes de descartes, ou até mesmo as carcaças são outros possíveis fatores de atração para essa fauna que não identifica a estrada como uma barreira e, assim, tornam-se extremamente suscetíveis ao atropelamento.
Os efeitos da urbanização, ainda, afetam a fauna em níveis alarmantes. Com eles, o local se torna mais habitado por pessoas que potencialmente podem explorar aquela terra, utilizar da caça como método de lazer ou desmatamento para o comércio. De acordo com William Laurance, ecólogo tropical e um dos autores do estudo sobre estradas e desflorestação, cerca de 94% do desmatamento na Amazônia em nosso território acontece em até 5,5 km de distância das estradas, ou a 1 km dos rios. Esses são os meios de destruição de habitat e dizimação de espécies que, infelizmente, se perpetuam em todas as sociedades. Esses efeitos podem ser notados pelas fotos por satélite como na imagem abaixo, em que em um período de menos de um mês, nota-se a diferença na conservação do local.
Fig. 4 e 5. Desmatamento em Mato Grosso de uma área de preservação permanente. Antes e depois. Disponível em: veja.com.br
Terra das Minas e dos Metais
Para entendermos melhor as possíveis causas da defaunação, tomemos, como exemplo, o caso da mineração, muito comum do estado de Minas Gerais, que foi vítima de dois grandes crimes socioambientais em um curto período de tempo e que custaram centenas de vidas humanas, a vida de dois rios e de diversos ecossistemas locais. É por meio de exemplos próximos de nossas realidades que tornamos situações complexas em compreensíveis, então vamos lá: a mineração tem diversos efeitos positivos na cidade que ela ocupa, muitas comunidades têm sua renda quase exclusivamente fruto dessa extração e necessitam dessa atividade econômica para manter seu padrão de vida (Minas Gerais é um dos melhores exemplos no Brasil e talvez no mundo, já que a mineração representa aproximadamente um quarto da indústria estadual e responde por mais de 40% da produção de minério nacional). Porém, esse dinheiro raramente volta para as cidades mineradoras, além de asfixiar a economia local, forçado-a a ficar exclusivamente dependente dessa prática. Segundo Paulo Rodrigues, geólogo pela UFRJ, em entrevista concedida à Patrícia Fachin. É comprovado, por índices do IBGE, que a pobreza, especialmente na área metropolitana da cidade de Belo Horizonte, é maior naqueles municípios que mineram ferro. Além disso, sabe-se, também, de outros aspectos negativos oriundos dessa atividade econômica do setor secundário, comprovados pelos crimes de Mariana e de Brumadinho. Apesar de nos chocarmos, com razão, em situações como essas, não são apenas em momentos de exceção que há destruição de vidas e de ecossistemas quando extraímos minérios de nossas serras.
O processo de mineração é complexo e demanda muita mão de obra para ser executado da melhor forma. Barão de Cocais é uma cidade mineira -dentre várias- que é um modelo do poder destrutivo da mineração, mesmo que não tenha ocorrido uma tragédia “digna” de jornais. É uma cidade interiorana típica que sofreu com o alto influxo populacional devido à intensificação da atividade mineradora. Com mais pessoas, foi necessário aumentar a capacidade da cidade, abrindo novas ruas e construindo novas casas. Com mais pessoas, cresce a procura por alimento, o que gera o aumento na quantidade de plantações e de gado para abastecer a recém-crescida população. A cidade aumenta de forma incrivelmente rápida e deve, de modo não programado, acrescer seus recursos. E esse processo gera destruição do ambiente ao entorno: abrir ruas, construir casas, fazer pastos, cuidar de gado e todas as outras implicações com o aumento populacional descaracteriza a floresta que antes estava em pé. A região de Barão de Cocais é considerada um ecótono, ou seja, uma região de transição entre dois biomas, no caso, Cerrado e Mata Atlântica. Nesses ambientes há grande concentração de biodiversidade, uma vez que caracterizam-se pela comunicação de ecossistemas diferentes, que interagem entre si. Já entendeu a gravidade do problema?
Fig. 6. A barragem da mina de Gongo Soco em Barão de Cocais. Disponível em: BBC.com
Se ainda não, te explicamos um pouco mais: temos uma cidade que era pequena no meio de uma área com grande importância ambiental devido ao seu posicionamento estratégico entre dois biomas, porém, agora essa região recebeu muito mais pessoas do que poderia aguentar. Foi necessário, então, desmatar regiões próximas para propiciar condições para a vida plena desses novos cidadãos. Essa ação humana, apesar de considerada imprescindível, gerou a perda de habitat de diversas espécies, que foram obrigadas a migrar para fragmentos próximos e, provavelmente reduzidos, de vegetação preservada.
Em locais não adequados para a espécie, essa movimentação pode gerar gargalos genéticos e depressão endogâmica. São muitos termos, mas nada difícil de entender. Gargalo genético é o termo biológico usado para explicar o que acontece quando uma característica das espécies é selecionada, não necessariamente porque havia uma vantagem evolutiva, mas sim porque houve a separação do grupo e por algum motivo aqueles que sobreviveram tinham uma característica única e que foi compartilhada pelos sobreviventes; nesse caso é um efeito fundador: uma parte da população sobreviveu ou foi separada e com ela foi selecionada uma característica. Um bom exemplo é uma Ilha no Maranhão, no extremo norte do Brasil. Muitos dos indivíduos que primeiro colonizaram esse pedaço de terra carregavam o gene do albinismo, apesar de muitos não apresentarem fisicamente a característica; como eles eram poucos indivíduos, começaram a ter filhos entre si e o carácter se tornou prevalente no ambiente mesmo não trazendo vantagem alguma para os portadores dessa deficiência de melanina.
E isso é bom ou ruim? Como muita coisa na biologia, depende. Talvez sim, talvez não. Às vezes a característica pode ajudar o animal a se manter no ambiente, às vezes não, e nunca temos certeza se o resultado de nossas ações precipitadas serão ou não um problema. O outro termo, depressão endogâmica, é ainda mais fácil de entender: é quando parentes próximos tem filhos. Já sabemos que quando isso acontece as chances dos filhos desse casal de desenvolver uma doença comum entre pais não parentes. O mesmo acontece com todas as espécies, quando pais geneticamente próximos, como irmãos, pais ou primos têm filhos juntos há maior chances de haver um problema, que os biólogos chamam de depressão. O termo endogâmico significa que a depressão é fruto de relações com esses parentes próximos. Agora ficou mais claro?
Dessa maneira, por meio de gargalos genéticos e depressões endogâmicas, há a probabilidade de destruir a fauna indiretamente e de tornar o ambiente defaunado. Isso é o que chamamos de defaunação indireta, já que o homem destruiu os habitats e, como consequência, os animais foram prejudicados. Obviamente, a mineração é só um exemplo da defaunação indireta. Esse processo pode ocorrer nas mais diversas regiões do país e, infelizmente, acontece mais do que gostaríamos.
Mas nós, seres humanos, seríamos afetados?!
Assim como explicado, a defaunação de florestas, ou seja, a ocorrência de florestas vazias, pode representar a perda de inúmeras interações entre os seres, o desequilíbrio ecológico, e a morte de vários animais. Entretanto, seria extremamente errôneo acreditar que só existiriam consequências para a natureza e para os seres ali viventes. Nós, humanos, também não sairemos ilesos. Toda essa devastação, com o passar do tempo, provocam grandes perdas socioeconômicas, haja vista que é da terra que obtemos toda nossa matéria prima, nossos alimentos.
Para exemplificar essa questão, usaremos um inseto, que, apesar de não ser um grupo tão popular e admirado pela grande maioria das pessoas, são de importância ímpar para a manutenção do equilíbrio ambiental. As abelhas são conhecidas por polinizarem as flores e, dessa maneira, garantirem a disseminação de uma espécie vegetal, assim como o aumento da diversidade genética entre os indivíduos. Logo, fica claro que a ausência desses animais em uma floresta poderia causar a extinção de várias plantas dependentes desse serviço ecológico, reduzindo, assim, a diversidade da flora local.
Infelizmente, a ausência das abelhas já é uma realidade. Esse grupo que sofre pela ação de pesticidas e por fatores que normalmente nem consideramos, como iluminação artificial. Para concluir, esses insetos garantem, não só a existência da vegetação natural, mas, também, possibilitam a viabilidade das plantações, sejam de subsistência ou voltadas para o comércio. A diminuição da população de abelhas implica diretamente na agricultura que, por sua vez, está intrinsecamente ligada à pecuária. Desse modo, a economia brasileira (que é extremamente dependente dessas mercadorias), assim como a população em geral, sofreriam com as consequências do descaso com o ambiente.
Florestas vazias: Um problema exclusivamente brasileiro?
O fenômeno das Florestas Vazias não é exclusividade brasileira. Na verdade, acontece em todo o mundo. No artigo de Ana Benítez-López, pela Universidade Radboud University na Holanda, chegou-se a conclusão, baseada em análises estatísticas, de que existem regiões que são particularmente mais propícias para a defaunação, como África Ocidental e Central (Camarões, Guiné e Costa do Marfim), América Central (Panamá, México, Costa Rica, Guatemala e Honduras), Noroeste da América do Sul (Colômbia, Venezuela) e algumas áreas do Sudeste Asiático (Tailândia, Malásia e sudoeste da China. Nesse mesmo artigo foi demonstrado que em países da África Ocidental, particularmente no Camarões, prevê-se que mais de 50% do número total de espécies suas populações diminuíram de 70% a 100% devido às atividades de caça.
Fig 7. Figura 2 do artigo de Benítez-López. É um mapa de calor, que indica que quanto mais quente a área (vermelho) no mapa, mais espécies de mamíferos são criticamente ameaçadas por defaunação de seus habitats. Disponível em: https://figshare.com/projects/Intact_but_emtpy_forests_Patterns_of_hunting-induced_mammal_defaunation_in_ the_tropics/31118.
Na figura 7 podemos identificar que o noroeste da África e o sudeste asiático realmente são áreas críticas que podem levar a destruição de mais de 50% das espécies de mamíferos.
Entretanto, vale a pena notar que as influências da defaunação afetam os diferentes animais, em diferentes níveis. O estudo de Benítez-López, que só estudou os mamíferos (aqueles animais que, como nós, possuem pelos e glândulas mamárias), demonstrou que, quanto maior o animal, mais ele é afetado. Na figura 8 podemos observar que, além das áreas mais afetadas da figura 7 se manterem, com um foco expressivo no noroeste da África e sudeste asiático, há uma forte correlação com o tamanho do mamífero (sendo o maior na figura D) e as áreas defaunadas pela caça.
Com essa relação, pode haver um forte prejuízo nas relações ecológicas locais como dispersão, predação e herbivoria de sementes, para as quais as espécies de grande porte desempenham papel mais importante do que espécies menores. O artigo chegou à conclusão que, em geral, a perda de grandes carnívoros e de herbívoros pode diminuir a regulamentação das cadeias e das interações. Isso, por sua vez, gera cascatas tróficas que resultam na desestabilização de ecossistemas tropicais e eventualmente levam a uma perda líquida de diversidade.
Fig. 8. Figura 1 do artigo de Benítez-LópezVariação geográfica na defaunação induzida pela caça separados por tamanho médio dos indivíduos. (A) todas as espécies, (B) espécies de tamanho pequeno (<1 kg, por exemplo, Sciurus spp., um esquilo), (C) espécies de tamanho médio (1–20 kg, por exemplo, Allouatta spp., o bugio ) E (D) espécies de tamanho grande (> 20 kg, por exemplo, Tapirus spp., a anta). Esse também é um mapa de calor, o que significa que quando mais quente a cor mais afetado o grupo de mamíferos é.
A história das falsas florestas
Agora que vocês já sabem tudo que acontece em uma floresta, várias das interações ali presentes, vamos fazer uma dinâmica. Imagine uma floresta. O que você espera encontrar nela? Provavelmente, uma diversidade muito grande de espécies tanto na fauna quanto na flora, afinal desde crianças aprendemos sobre os bichos que moram na floresta e sobre as muitas árvores que compõe o ambiente. Agora, imagine que essa sua floresta foi amplamente desmatada. Seus recursos foram explorados pela ação antrópica os animais que não foram caçados ou foram levados para o comércio ilegal, ou fugiram.
Para que essa história tenha outro final, imagine que você tem a possibilidade de realizar um trabalho de restauração da área, afinal, como já sabemos, a floresta é um dos ecossistemas mais importantes do planeta. Acredito que você buscaria fazer uma restauração ecológica para que esse ecossistema pudesse voltar a ser o mais próximo possível do original, certo?
E se nós te contássemos que, fora da imaginação, essa é uma história real? Mas na vida real, o final da nossa história não é como a gente gostaria. Segundo o IBGE, o Brasil tem cerca de 9,85 milhões de hectares de floresta plantada, mas isso não quer dizer que essa área toda corresponde a uma floresta que abriga diversidade. Boa parte pode ser classificada como florestas vazias. No reflorestamento, a recuperação da área pode servir a um fim diferente do que a intenção de tornar a área o mais próximo do seu natural. Para exemplificar: A grande maioria desses hectares de floresta plantada no Brasil serve para produzir madeira.
Nas estradas do sul da Bahia, por exemplo, são quilômetros e mais quilômetros de eucaliptos plantados para produzir madeira, papel e celulose. Boa parte da área ocupada por tais plantações já foi, um dia, mata atlântica. Se compararmos essa floresta de eucalipto com a floresta que foi imaginada com base no que aprendemos nos livros didáticos desde a escola, veremos que falta algo: onde está a biodiversidade? Na floresta de eucalipto não encontramos animais, nem espécies de orquídeas, nem variedade de árvores, nem de briófitas. Então, numa reflexão rápida, será que podemos chamar esse reflorestamento de floresta?
FIg. 9. Plantação de eucalipto, no vale do Jequitinhonha.. Disponível em: plox.com.br
O que pode ser, de fato, feito?
Já vimos que nem sempre as florestas são habitadas por animais, como seria de se esperar, e, assim, na tentativa de restaurar o ambiente, podem ser realizadas métodos como a translocação. Essa estratégia é caracterizada pela retirada de animais de seus locais atuais, sendo eles da natureza ou de cativeiros, e sua transferência para um habitat que há mais indivíduos da espécie ou que este possua melhores condições de disponibilidade de recursos.
Em termos mais didáticos, o objetivo desse processo é colocar animais nativos de ambientes que foram destruídos de volta em seu habitat adequado. É necessário entender inteiramente o animal, suas relações ecológicas e seus nichos para que haja um soltura adequada. Tenhamos o queixada novamente como exemplo: é um animal incrivelmente territorialista e violento com espécies que invadem seu território, entretanto, são capazes de viver em grandes grupos. Essa situação é diferente daquela encontrada em grandes canídeos brasileiros, como o Lobo-Guará: eles são solitários, muitas vezes em casais e com filhos até atingirem maturidade, mas nada além disso. Qualquer outro indivíduo nas proximidades causará sérias brigas territoriais que poderão, até levar a óbitos. Desse modo, é importante ressaltar que cada organismo possui suas especificidades e, assim, cada plano de manejo deve levar em conta esses caracteres.
Fig. 10. Lobo - guará. Canídeo de grande porte brasileiro. Disponível em: oeco.org.br.
Vamos lá: em um ambiente em que há uma comunidade virtual, ou seja, uma comunidade que não tem capacidade para continuar existindo, tal como um ambiente com dois machos ou duas fêmeas, ou até mesmo com poucos casais (isso depende da espécie e das características delas), não há chances de continuidade da espécie. Nesse ambiente, acontece uma defaunação, em que as espécies de animais desaparecem. Em uma tentativa de remediar, os biólogos, com apoio de veterinários e muitos outros profissionais, realizam um processo de estudo de locais plausíveis para a translocação desses animais (com condições adequadas para a vida plena da espécie) para ambientes em que existam outros indivíduos da mesma espécie ou simplesmente para melhorar a vida da população reintroduzindo-a em um habitat melhor conservado. Mas será que podemos colocar um lobo-guará em território ocupado previamente por um outro? Devemos deixar os queixadas solitários? Para responder essas perguntas necessitamos saber dos animais e suas interações, o que chamamos de ecologia do animal.
Obviamente, é necessário entender o motivo pelo qual as espécies acabaram ou qual é o motivo do desequilíbrio local e reparar as causas para que as consequências não sejam as mesmas. Não faz sentido algum cuidar dos animais em questão sem dar valor ao seu papel ecológico anterior no ambiente ou em seu papel ecológico futuro. Sem compreender as interações da região, os comportamentos característicos do animais não é possível fazer uma reintrodução ou manejo correto do indivíduo ou mesmo sequer restaurar a espécie.
Conclusão
Compreendendo melhor todas as questões que envolvem a defaunação das florestas é possível afirmar que no Brasil há uma desvalorização enorme da nossa biodiversidade, protagonizada por nós mesmos, brasileiros. Não damos a importância necessária para os biomas e todos os seres ali viventes, talvez devido à falta de informação, à crença de que a natureza não nos afeta e à falta de educação ambiental nas escolas. Após ler esse texto, torcemos que tenhamos conseguido mudar a concepção de que não necessitamos da natureza ou de que ela serve apenas para ser explorada. Entretanto, a falta de valorização por parte da população não é a única responsável pela degradação de nossa biodiversidade. O sistema econômico no qual estamos inseridos, a busca incansável pelo lucro e a ganância humana intensificam a exploração do meio ambiente. E essa discussão nos faz questionar o modo como vivemos, a quantidade de produtos que consumimos, a gigantesca quantidade de lixo que nós geramos: será que tudo isso vale a pena?
Fig. 11. Onça e filhote trocando carinhos. Disponível em onçafari.org/Projeto/Oncafari
Referencias bibliográficas
https://www.oeco.org.br/blogs/salada-verde/video-o-que-sao-florestas-vazias-e-por-que-isto-e-um-problema-ambiental-por-fernando-fernandez/ “Vídeo: O que são Florestas Vazias e por que isto é um problema ambiental? por Fernando Fernandez”.
https://blog.nationalgeographic.org/2017/02/08/reversing-empty-forest-syndrome-in-southeast-asia/ “Revertendo a síndrome das florestas vazias no sudeste da Ásia”.
http://enbt.jbrj.gov.br/mestrado_profissional/seminario/7_Redford%201992.pdf “A floresta vazia”.
https://sci-hub.tw/https://www.jstor.org/stable/1311860?seq=1#page_scan_tab_contents “A floresta vazia”.
https://ipam.org.br/glossario/floresta-vazia/ “Floresta vazia”.
http://www.floratiete.org.br/perda-da-biodiversidade-entenda-o-que-e floresta vazia/ # . XdHt1ldKi02 “Perda da biodiversidade: Entenda o que é floresta vazia”.
http://www.savebrasil.org.br/o-fenomeno-das-florestas-vazias/ “O fenômeno das florestas vazias”.
https://www.ib.usp.br/ecologia/sucessao_ecologica_print.htm “Sucessão ecológica”.
https://conbio.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/j.1523-1739.2009.01379.x “Rebobinamento do pleistoceno, ecosistemas frankstein e uma agenda alternativa da conservação” .
https://pt.wikipedia.org/wiki/Minas_Gerais#Ind%C3%BAstria “Minas Gerais”.
https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.2307/1941905 “Hierarquias ecótonas”.
https://journals.plos.org/plosbiology/article/fileid=10.1371/journal.pbio.3000247&type=printable “ Desmatamento e o efeito mitigador de áreas na amazônia”.
https://www.terra.com.br/noticias/dino/projeto-inovador-avaliara-o-impacto-de-estradas-na-biodiversidade-mineira,95808e3bfbe8999c4a3ef8f91a82a8549rzz0fty.html “`Projeto inovador avaliará o impacto de estradas na biodiversidade mineira”.
http://cbee.ufla.br/portal/index.php “Novo site do CBEE é lançado”.
https://brasil.mongabay.com/2018/04/novo-estudo-impactos-provocados-por-estradas-vao-alem-dos-danos-ambientais/ “Novo estudo: Impactos provocados por estradas vão além dos danos ambientais”.
http://ecopopbio.tripod.com/id15.html “Meta populações”.
Adorei o texto, muito informativo! <3