Autores: Catarina Morais, Ellen Alves Rodrigues, Isabela Lima de Miranda, Martha Magalhães e Marina Fonseca.
Você sabe o que é um recife de coral?
O Brasil é famoso pelas riquezas de espécies presentes em suas florestas tropicais, mas você sabia que a nossa costa abriga também a maior biodiversidade marinha de todo o Oceano Atlântico Sul e que nela estão localizados os únicos recifes de corais de águas rasas dessa região?
Recifes de corais são estruturas ecológicas complexas, construídas por interações entre animais, vegetais marinhos e algas. Além disso, eles recebem esse nome por serem predominantemente criados por comunidades de animais cnidários, chamados de corais. Apesar da maior parte da sua estrutura básica ser formada por esqueletos calcários, o recife de coral necessita da ação conjunta de diversos seres, formando uma associação complexa que desencadeia diversos eventos em sucessão, resultando na sua conformação característica.
Os corais recifais precisam de condições específicas para serem formados, como temperatura e turbidez ideal da água, por isso são encontrados em regiões de mares rasos e tropicais. Eles possuem grande importância biológica por serem considerados o ecossistema marinho de maior diversidade, garantindo condições e recursos necessários para muitas espécies. Contudo, mesmo possuindo grande relevância ambiental, eles estão desaparecendo ao longo do tempo, principalmente por conta do aquecimento global e das atividades pesqueiras irregulares.
No nosso território, ao longo da costa brasileira são encontrados os únicos recifes de coral de águas rasas do Atlântico Sul. Além disso, metade das espécies de corais que vivem e constroem esses recifes só existem no ecossistema marinho brasileiro, como é o caso do coral-cérebro (Mussismilia braziliensis). Visando a proteção desse importante ambiente, foi criado em 1983 o Primeiro Parque Nacional Marinho do Brasil, uma unidade de conservação que ajuda a proteger uma região conhecida como Banco dos Abrolhos. Ele é um alargamento da plataforma continental do Brasil e possui uma área de 42.000 km² que se estende desde o Norte do Espírito Santo ao Extremo Sul da Bahia. Na sua parte norte se encontra um complexo recifal composto por diversos ecossistemas marinhos e costeiros, conhecido por abrigar a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Nele, existem diversas relações ecológicas, incluindo a importante interação entre o peixe herbívoro Budião-Azul, as algas e o recife de coral, que vem sendo ameaçada pela ação de sobrepesca nesta região.
Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. Foto: Roberto Costa Pinto
Mas o que é uma interação ecológica?
Como nenhum organismo encontra-se sozinho em uma determinada área e tempo, as populações que co-ocorrem em determinado habitat convivem e interagem entre si; essa interação é denominada interação ecológica. Quando escutamos essa expressão, logo pensamos em um ambiente intocado, onde as espécies convivem amigavelmente em equilíbrio. Porém, essa visão não está totalmente correta; o chamado “equilíbrio ecológico” é um processo altamente dinâmico, em que os organismos de uma comunidade interagem uns com os outros de tal forma que todas as interações ecológicas, sejam elas positivas, negativas ou neutras, se tornam muito importantes para a sobrevivência e regulação dessas populações. Ou seja, mesmo as relações classificadas como negativas são benéficas para a comunidade e muito importantes para o funcionamento do ecossistema; e ações antrópicas que afetam essas relações ecológicas podem causar enormes impactos nos mesmos.
Esquema explicativo. Imagem: Autoria própria
Logo, se considerarmos o grande número de espécies presentes no complexo recifal de Abrolhos, vamos nos dar conta de que há na verdade um número enorme de interações coexistindo, que podem ser contexto-dependentes ou não, e são elas que mantêm o funcionamento dessas comunidades. Por meio do entendimento e estudo dessas interações podemos compreender os impactos ambientais e os distúrbios ocasionados às populações, às comunidades e ao ecossistema pela ação da pesca nos recifes de corais brasileiros.
Como exemplo do exposto acima, podemos citar a relação ecológica entre consumidor-recurso, denominada herbivoria. Essa interação está presente em diferentes habitats, afetando a cadeia trófica e o fluxo de energia em uma comunidade. Em ambientes recifais também é possível ver esse tipo de relação ecológica, como observado entre o já citado budião-azul e as microalgas bentônicas. O budião, por ser herbívoro, exerce um importante papel para o controle do crescimento das algas no ambiente, impedindo o estabelecimento exacerbado desses organismos, mediando assim, a sua competição com os corais. Além disso, o budião-azul possui um papel importante na sucessão dos recifes, pois quando se alimenta, suas mordidas removem tanto as algas quanto o substrato, fornecendo espaços para a fixação de novos organismos. Desse modo, a relação peixe-alga torna-se importante para manter a estabilidade entre as populações que vivem nos recifes de corais.
Peixe Budião-Azul. Foto: Projeto Budiões
Entretanto, o equilíbrio dessas relações tem sido afetado devido às atividades antrópicas no ambiente, principalmente a sobrepesca (ROSS et al., 2020). Com as retiradas em massas de peixes herbívoros do mar, a herbivoria fica comprometida. Como resultado, há um desequilíbrio na cadeia trófica, afetando, dessa forma, a competição entre os organismos, levando ao aumento das populações de algas no local e a morte dos corais. Assim, esses processos de degradação dos corais estão comprometendo a capacidade produtiva e biodiversidade desses ecossistemas, e consequentemente, a garantia da seguridade alimentar e o bem estar social das populações que convivem e/ou dependem dos recifes.
Nesse sentido, podemos perceber a importância de alinhar nossas atividades econômicas (como a pesca) e o crescimento populacional a um desenvolvimento sustentável, zelando pela reestruturação dos ecossistemas e sua biodiversidade. Sendo assim, para que possamos proteger os seres e suas relações ecológicas, primeiramente devemos compreendê-las; por isso o estudo ecológico tem papel importante quando buscamos um desenvolvimento sustentável. Através do entendimento das espécies e suas interações, o estudo ecológico permite o fomento de planos de preservação e de manejo, de legislação e fiscalização efetivas, contribuindo, assim, para a preservação ambiental e atenuação do impacto humano na natureza.
Um método que pode ser adotado a partir de estudos ecológicos é a criação de mais áreas marinhas protegidas, as AMPs. Esse tipo de unidade de conservação pode ajudar peixes (como o próprio budião-azul) e outras espécies marinhas a se recuperarem e a repovoar áreas de pesca adjacentes. Apesar do Brasil já possuir algumas AMPs, o grande desafio é o de garantir sua implementação efetiva com alta fiscalização, restringindo total ou parcialmente as atividades pesqueiras e ordenando o uso sustentável dos recursos naturais nesses territórios.
Ademais, a criação de programas de conscientização social também têm sua importância, visto que todos precisam ser alertados e educados sobre o impacto da atividade pesqueira desregulada no meio ambiente e sobre os cuidados a serem adotados na pesca sustentável. Além disso, devemos questionar a origem da mercadoria, evitando produtos advindos da pesca irregular e o consumo excessivo de determinadas espécies que já estão sendo ameaçadas de extinção. Se houver a implementação e fiscalização de medidas governamentais juntamente à mobilização da população, ambas visando o desenvolvimento e a atividade pesqueira sustentáveis, daríamos um importante passo rumo à remediação dos efeitos da pesca desenfreada e à manutenção de um equilíbrio dinâmico entre essas atividades humanas e os ecossistemas marinhos. Vamos juntos?
Referências Bibliográficas
Áreas marinhas protegidas. ICMBio- Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Sudeste e Sul. Disponível em <https://www.icmbio.gov.br/cepsul/areas-protegidas.html>. Acesso em: 02 jul. 2021.
Áreas Protegidas Marinhas: o futuro da conservação dos oceanos. WWF- World Wildlife Fund. Disponível em <https://www.wwf.org.br/?65202/Areas-Protegidas-Marinhas-o-futuro-da-conservacao-dos-oceanos>. Acesso em: 11 jul. 2021.
Conhecendo os Recifes Brasileiros: Rede de Pesquisas Coral Vivo - Rio de Janeiro - Editores: Carla Zilberberg et al. – Museu Nacional, UFRJ, 2016, 362p. Disponível em: https://coralvivo.org.br/arquivos/documentos/Livro-Zilberberg-et-al-2016-Conhecendo-os-Recifes-Brasileiros-Rede-de-Pesquisas-Coral-Vivo.pdf. Acesso em: 05 jul. 2021.
FEITOSA, J. L; LONGO,G.O. Ambientes recifais brasileiros, comunidades bentônicas e herbivoria por peixes (2008). Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Joao-Lucas-Feitosa/publication/342283229_Ambientes_recifais_brasileiros_comunidades_bentonicas_e_herbivoria_por_peixes/links/5eebe6ee92851ce9e7f06d8e/Ambientes-recifais-brasileiros-comunidades-bentonicas-e-herbivoria-por-peixes.pdf. Acesso em: 4 jul. 2021.
Interações biológicas intraespecíficas. Vida e Educação em ciências USP. Disponível em: https://midia.atp.usp.br/impressos/redefor/EnsinoCiencias/VidEd_2011_2012/VidEd_v2_Semana_07.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2021.
Museu Nacional (Brasil). Avaliação e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade da zona costeira e marinha: Recifes de Coral. Relatório do Departamento de Zoologia. Rio de Janeiro, 101p. Disponível em:https://www.icmbio.gov.br/parnaabrolhos/images/stories/downloads/Clovis_2000.pdf. Acesso em: 05 jul. 2021.
Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Portal ICMBio, 2021. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/parnaabrolhos/guia-do-visitante.html. Acesso em: 17 out. 2021.
PESSOA, Viviany Silva Araújo et al . O que você sabe sobre os recifes de coral?: Um estudo psicopedagógico com tema ambiental. Constr. psicopedag., São Paulo , v. 28, n. 29, p. 33-46, 2020 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-69542020000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 02 jul. 2021. http://dx.doi.org/10.37388/cp2020/v28n29a03.
Populações: Relações entre os seres vivos de uma comunidade. Ecologia USP. Disponível em :https://midia.atp.usp.br/impressos/redefor/EnsinoBiologia/Ecologia_2011_2012/Ecologia_v2_03.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2021.
RAMOS, Carla. Efeitos da herbivoria e do contato direto na interação entre o coral maciço Siderastrea stellatae algas filamentosas.2010. 47 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Biomonitoramento - Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/12465/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Carla%20Ramos.pdf. Acesso em: 05 jul. 2021.
Roos, N.C., Longo, G.O., Pennino, M.G. et al.Protecting nursery areas without fisheries management is not enough to conserve the most endangered parrotfish of the Atlantic Ocean. Sci Rep 10, 19143 (2020). Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41598-020-76207-x. Acesso em: 02 jul. 2021.